O “fim da história” de esquerda e a democracia como valor universal: apontamentos sobre o movimento comunista na história e na atualidade e sobre a influência do eurocomunismo então e agora

Ao Povo Brasileiro
38 min readAug 11, 2020

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“Um Partido disciplinado, armado com a teoria de Marx, Engels, Lênin e Stálin, que utiliza o método da auto-critica e é estreitamente ligado às massas; um exército, dirigido por esse Partido; uma frente única das diversas camadas e grupos revolucionários da sociedade, dirigidos por esse Partido. Eis as três armas principais com que temos derrotado o inimigo.” (Presidente Mao Tsé-Tung)

I — O “fim da história” antes do “fim da história”: as raízes do eurocomunismo e a “democracia como valor universal”

A pedra fundamental do eurocomunismo: a má interpretação do mundo

Do fim da década de 60 em diante, o sujeito revolucionário e a centralidade do trabalho foram postos em dúvida do interior das universidades e isso, em resumo, apenas pois algumas ferramentas de produção novas começaram a ser desenvolvidas (talvez os academicistas em seu idealismo pensassem que o mundo deveria permanecer parado para eles o analisarem?). O dado básico do capitalismo: a exploração do homem para a acumulação, não mudou, e mudou tanto menos nas nações atrasadas, subdesenvolvidas. Ao mesmo tempo, no campo socialista, a União Soviética já havia adentrado sua fase revisionista e passava a ensejar contradições mundiais com seu dirigismo tosco que foi, inclusive, responsável pela implantação de uma linha de “convivência pacífica” com a política burguesa no PC Brasileiro.

Em momento de reorganização da produção e de crise no baluarte mundial do socialismo à época, cresceu e se desenvolveu a ideologia neoliberal, que era nada mais nada menos que uma resposta para a pedra no sapato que incomodou por todo o século XX os imperialistas: as revoluções nacionais. Globalização e neoliberalismo andam de mãos dadas, como andam de mãos dadas suas faces reais: o recrudescimento da violência econômica e militar contra as nacionalidades oprimidas (deslocando-se o eixo mais visível desta para o Oriente Médio) e a busca da unilateralidade do poder no mundo mediante a destruição da própria concepção de nacionalidade — e as justificativas para isso podem ser encontradas em tantos autores liberais quanto vocês pensarem, destacando-se, contudo, no mar de mediocridade, a ideia de “totalitarismo” de Hannah Arendt e o “fim da história” de Francis Fukuyama. Mais importante: isto era ou viria a ser, com a queda da União Soviética, a concretização, no plano estadunidense, de forma palatável ao ocidente (que, é bom lembrar, já considerou o nazi-fascismo palatável quando viu nele a chance de derrubada dos governos populares da União Soviética), do “sonho hitleriano de um mundo só, sob um só dominador”[1], como o coloca Nelson Werneck Sodré em Imperialismo e neoliberalismo.

Talvez tenham se esquecido os academicistas ditos marxistas que decretaram a morte da teoria do valor nessa época de um dado básico discutido por Marx na sua Introdução à Contribuição para a crítica da economia política: são coisas comuns de toda produção: o sujeito (humanidade) e o objeto (natureza). Todo o resto é mutável. Sujeito e objeto inserem-se nas relações de produção dentro de uma determinada articulação dessas relações, dos modos de produção vigentes, dos instrumentos de produção criados, das classes sociais instituídas etc. Talvez tenham-se esquecido que “as abstrações mais gerais só surgem como tais no desenvolvimento concreto mais rico, onde o que é comum a muitos aparece como comum a todos” e que a produção é um dado histórico bem como o trabalho enquanto coisa concreta, enquanto trabalho produtivo determinado — de outra forma, que adianta dizer que é social o trabalho? Talvez tenham-se esquecido ainda que a distribuição é um momento da própria produção e que a escravidão assalariada é comum ao capitalismo mas pode sofrer alterações[2].

O taylorismo retomou muito da desregulamentação inicial do capitalismo, discutida em extensão por Marx n’O Capital, mas desenvolveu-a para uma nova época, e isso foi tanto permitido pela produção científica subordinada ao capital quanto ensejou uma reorganização das forças produtivas, sem mudar de forma alguma o eixo fundamental do capitalismo enquanto tal. Sendo o socialismo não a negação mecânica e completa do capitalismo, mas o contrário que se interpenetra com ele no seu seio, isto é, a tensão negativa que se interpõe à tese positiva, o não que se define pelo sim, que é por ele criado não em interpenetração conceitual, como é comum na língua (ou como é comum se pensar sobre a língua), mas por interpenetração material, qual seria a justificativa dos academicistas para dizer que o sujeito revolucionário não mais existia ou havia gravemente se modificado ou para criar a estéril discussão sobre o trabalho ser ou não o dado central a se considerar? Mero exercício de pensamento, sofisma, dialética socrática, sem lugar no mundo atual. Essa linha de pensamento nunca alcançou frutos reais e palpáveis por um motivo óbvio: não acrescentava nada ao ímpeto revolucionário das massas, não aguentava o teste da realidade, que é a verdade da teoria. E não aguentava principalmente nas nacionalidades oprimidas, onde impera o desenvolvimento desigual, exatamente os focos da face mais cruenta do neoliberalismo.

Sobre os resultados nacionais da implantação do neoliberalismo, de suas modificações na produção correlatas e da ideologia da globalização, dizia Sodré, já ao fim do século XX:

Enquanto se discute o sexo dos anjos, prosseguem, inexoráveis e tempestuosos, a “privatização” das empresas estatais, os violentos cortes nos gastos correntes, deixando um roteiro de ruínas: o sucateamento da rede hospitalar, a destruição da estrutura do ensino público, o fim da pesquisa científica e do estudo das inovações tecnológicas. A salvação do país está reduzida à demissão em massa de funcionários públicos, à redução dos salários, à reforma da previdência para ampliar espaço às empresas privadas[3].

As pautas levantadas com tanta legitimidade em decorrência da vitória bolchevique (o próprio Apartheid foi derrotado pela imensa luta dos povos negros, mas com uma amizade e apoio inegável do poder soviético, de sua influência benéfica mesmo nos baluartes da reação, como bem o sabiam muitos à época do Movimento pelos Direitos Civis nos Estados Unidos da América[4]), foram conspurcadas pelo “fim da história” neoliberal, que, de fato, foi preparado pelo próprio “fim da história” de esquerda, nascido nos partidos comunistas, inclusive no PC Brasileiro, como veremos mais à frente.

De qualquer forma, vale adiantar um dado básico: o revisionismo dirigista e a posterior queda do sustentáculo do socialismo desde 1917, a União Soviética, foram um choque enorme para o movimento comunista mundial e mesmo para o progressismo não-comunista. Foram também um choque benéfico aos abutres capitalistas que viram nisto sua chance de retomarem o controle completo do mercado mundial sem maiores interrupções. Com a proposta das teses já citadas, do fim da teoria do valor e do fim da classe trabalhadora ou de seu papel revolucionário, fez-se uma rachadura tal qual a existente na Casa de Usher na dita esquerda revolucionária e, bem como o narrador, a esquerda passou a olhá-la e tremer e sentir-se opressa pelas suas próprias mistificações, uma delas, o eurocomunismo, que não decretava bem o fim do sujeito revolucionário, mas da própria revolução. Desconsideraram os “revolucionários” um dado básico: o papel do movimento comunista mundial não era tremer e sentir-se opresso, mas fazer um balanço histórico do que ocorreu, para compreender para onde tencionava o mundo, as suas legalidades sociais. O sexo do anjo ou de Mamon é o lucro e isso nenhuma crise pode apagar, bem como não pode apagar nenhuma crise que a exploração do trabalho social para o ganho individual é a verdade do capitalismo — e também nunca pode ser apagado que o capitalismo das nações imperialistas faz isso promovendo o desenvolvimento desigual por todo o mundo, em todas as nacionalidades oprimidas e que, portanto, o problema que começou a ser resolvido pelas revoluções nacionais no século XX ainda perdura, que o neoliberalismo é materialmente a tentativa de resolver isso para o benefício do imperialismo e ideologicamente assenta-se como a negação do nacionalismo consequente e concreto dos povos explorados.

A pedra fundamental da má interpretação do mundo: a rejeição da práxis marxista

Brilhantemente escrita e interpretada, mas também mastigada com brutalidade e regurgitada como coisa destituída de todo significado pelos oportunistas, a 11ª tese de Marx sobre Feuerbach irá aqui nos guiar. “Os filósofos não fizeram mais que interpretar o mundo de forma diferente; trata-se porém de modificá-lo”[5], é o que disse Marx. Essa é sua concepção de práxis, unidade entre teoria e prática não-mecanicista, judiciosa. Quem melhor a traduziu no século XX foi Mao, ao dizer: “A investigação se assemelha aos largos meses de gestação, e a solução do problema, ao dia do parto. Investigar um problema é resolvê-lo”[6]. Que queria Mao dizer com isso? Que para um comunista o teoricismo é vergonhoso, que as teses sobre Feuerbach, em sua totalidade, tinham caráter de classe e não caráter interpretativo ou acadêmico, que a própria interpretação do mundo deve ser um movimento modificador do mundo ou se torna estéril, que se não se busca o dia do parto, acaba-se com um feto abortado nas mãos. Queria dizer ele que a arma da crítica não deve ser, ela mesma, inerme.

Voltemos para a academia, de onde saíram todas as grandes “armas da crítica” ocidentais de nossa época — a guerra do Vietnã foi vencida, para a surpresa geral, pelo povo vietnamita, caiu a União Soviética, foi rejeitada a Revolução Cultural, o que poderiam mais fazer os grandes teóricos que nesse balanço de vitórias e derrotas ver o lado escuro da lua que era, ao mesmo tempo, exatamente o lado agora iluminado pelos holofotes econômicos, teóricos, cinematográficos etc. dos EUA? Na academia passaram a rejeitar um miríade de coisas que “compreenderam bem” por intermédio desses holofotes tão invisíveis quanto os querem os academicistas os grandes “revolucionários” do anti-stalinismo, do anti-desenvolvimentismo soviético etc. etc. Rejeitaram, obviamente, Lênin, um dos maiores teóricos da revolução do século XX, nunca nem chegaram a considerar Mao em grande parte, tornaram Stalin num alvo e o “burocratismo” (as depurações do PCUS entre 1936–1938 foram exatamente a continuação da luta anti-burocracia iniciada por Lênin) na palavra chave universal de todos os artigos que são sobre ele escritos, quanto ao resto, nem ao menos pareciam saber que existiam. O mundo do socialismo foi composto por Lênin, Stalin e Mao, na cabeça dos grandes teóricos, e todos eles, por sua vez, foram contra Marx (Engels não existe para a maioria deles também). Mas que Marx era esse? Um ao qual deveríamos retornar. O problema é que talvez os grandes teóricos tenham retornado demais e ido parar em Hegel e outros mesmo em Heráclito, que não há outra explicação para essa sanha dos “comunistas” da academia em afirmar que o socialismo é a negação completa e irredutível do capitalismo de uma só vez.

A academia gosta, no geral, de apenas um revolucionário, que talvez combine tanto com ela por ter sido ele mesmo um vacilante servidor dos interesses das potências imperialistas disfarçado de revolucionário pela maior parte de sua vida: Trotsky. Gostam de Trotsky porque o mandou matar Stalin e como Stalin “era um burocrata” fazia algo de certo Trotsky — silogismo perfeito se considerarmos que a concepção de modificação do mundo dos academicistas é constituída a apalpadelas cegas e que sua concepção de interpretação do mundo é uma de interpretação das concepções ocidentais sobre o mundo. Dizem que Trotsky é o verdadeiro herdeiro teórico de Lênin e o verdadeiro herdeiro da posição de Lênin (a União Soviética torna-se numa espécie de monarquia) e apenas assim podem gostar também de Lênin, continuando a ignorá-lo completamente ou dizendo que suas concepções estão datadas, no mínimo (e aí ignoram o maoísmo, desenvolvimento científico revolucionário e, portanto, teórico-prático do Marxismo-leninismo, para completar o ciclo).

Mesmo o mais competente dos academicistas cai no mesmo local, se estatela e finge que caiu por querer que é para a alegria da burguesia ser completa. Criticam o fim do Partido, decerto, por tantas e tantas vezes, mas sob a impressão de que a culpa do fim do Partido é, ao menos parcialmente, de Stalin (ora! se foi Kruschev quem instaurou a linha de convivência pacífica com a democracia burguesa, talvez esteja isso um pouco errado, mas o que é o dado histórico frente à impressão para os academicistas?). É, deveras, tragicômico o tropeçar sempre na mesma pedra, pedra essa que é exatamente a pedra de toque da burguesia para saber se a composição desse acadêmico é aquela que ela busca num “progressista” (mal necessário), se sua impotência anda em dia, se não se deitará ele com as subordinadas e subordinados do Imperador Lucro. Nada é mais valorizado na academia que um eunuco ou que a radicalidade falsa das piadas internas, dos jogos de palavra. À pergunta “que fazer?” responderam os academicistas: recomeçarmos do zero. E eis que foi instaurado o funambulismo dos PC’s ao redor do mundo, cada vez mais tributários desses academicistas e cada vez menos ligados ao povo. No que consistia esse funambulismo? Em andarem pelas vias democráticas da burguesia com um sorriso no rosto enquanto pregavam em abstrato a revolução. O kruschevismo anunciou o eurocomunismo ao denunciar um inventado “stalinismo” que serviu de confirmação da falha do socialismo para a historiografia de impressões ocidental. O denguismo e a rejeição da Revolução Cultural retiraram o último prego do caixão deste morto-vivo.

Tal qual a mula de Balaão, pretenderam os movimentos populares, os realmente populares, não as revoluções coloridas, e as revoluções em curso que lutavam contra o revisionismo soviético e chinês (sob o denguismo) avisarem aos academicistas que não seguissem naquele caminho, que havia algo de superior ainda a ser olhado e compreendido e que vinha sendo ignorado, só que não era um anjo ou a revolução dos anjos e sim a própria história dos homens. Como também não havia nesse caso um Deus para lhes abrir os olhos, hoje em dia, desde os corredores amplos das universidades francesas, podemos ouvir ecoar frases como:

O ecossocialismo retém os objetivos emancipatórios do socialismo da “primeira época”, ao mesmo tempo em que rejeita tanto os objetivos reformistas da social-democracia quanto às estruturas produtivistas das variações burocráticas do socialismo[7].

A rejeição da práxis marxista é uma rejeição tanto da análise concreta dos dados históricos em sua interdependência última (da dialética) quanto do caminhar para um objetivo palpável, para um parto da nova sociedade (e como logo abaixo veremos, da nova democracia). Muitas iterações da impotência são passíveis de serem citadas, mas nos focaremos agora no eurocomunismo, e em sua expressão brasileira mais conhecida e danosa, por ser coisa que ainda encontra ressonância ou mesmo imitação em organizações ditas revolucionárias atuais, mesmo que compreendam alguns que ele teve um fim — desgraçadamente, não enterraram o morto-vivo novamente, de fato.

O “fim da história” antes de “fim da história”: o eurocomunismo e a democracia como valor universal

Que foi o “fim da história”? A investida imperialista em bases econômicas e ideológicas para a transformação do mundo em um campo dominado por apenas um centro: aquele composto pela união entre as nações imperialistas. Com a difusão das “democracias liberais”, com o silenciar do grito surdo aos ouvidos ocidentais pela maior parte, que era a guerra fria, o retorno de uma ideologia comum aos economistas do século XVIII, aos ricardianos, foi inevitável. O capitalismo seria eterno, algo além da história, maior que a história. Empáfia? Até certo ponto, mas não se dependesse do movimento dito comunista em diversas nações ou ao menos dos partidos comunistas que pretendiam o dirigir. O resultado do “anti-stalinismo” foi catastrófico e, com ele, veio o abandono de um dos maiores ensinamentos de Lênin em Como iludir o povo com slogans de liberdade e igualdade: a democracia tem conteúdo de classe[8].

Que foi o eurocomunismo? O “fim da história” de esquerda que, de certa forma, anunciou o “fim da história” como Fukuyama o teorizaria, o proxenetismo das lideranças e a prostituição dos membros dos partidos comunistas com o verniz democrático e pluralista, o dirigismo que se pretendeu democrático ao acabar com o centralismo democrático, única garantia da democracia do povo. Resumiu-o bem Enrico Berlinguer, secretário geral do Partido Comunista Italiano (PCI) em 1977, ao declarar que era a tarefa dos comunistas: “realizar o socialismo nos pontos altos do capitalismo, […] fazer a revolução no ocidente, demonstrando que o socialismo pode e deve estar indissoluvelmente ligado a todas as liberdades civis, culturais e religiosas”[9]. A ideia de que seria possível atingir o socialismo por meio de reformas no seio do capitalismo sob a democracia liberal era uma ideia já cara aos kautskistas, à Bernstein, meio século atrás, mas agora encontrava nova razão de ser: a “falha” democrática das ditaduras do proletariado. No fim, não era mais que anti-leninista e anti-maoísta, isto é, anti-desenvolvimento da ciência proletária, chegando sem empecilho nenhum ao ocidentalismo e beirando por vezes o racismo, a reação dos comunistas ocidentais.

A virada para o eurocomunismo, para a defesa “democrática” da “democracia” como fim, foi a virada para o imediatismo de Bernstein sob nova forma e para a prática eleitoreira. A defesa da não-violência era de forma concreta um apelo aos proletários para que sofressem em silêncio a violência da burguesia em sua forma econômica, jurídica e policial e, nas nações oprimidas, em sua forma militar mais cruel. Não era mais necessária a ruptura violenta, pois se defendia na prática a continuidade da violência contra qualquer tipo de ruptura. Era a terceira via, que de fato era a primeira e a rejeição completa e despudorada da segunda.

Como esse “fim da história” de esquerda se deu no Brasil? A coisa inicia-se antes da declaração do secretário geral do PCI em 1977, com a adoção da linha kruschevista no Partido Comunista Brasileiro (PCB) e com a crise que leva à cisão do partido. À época, João Amazonas, Maurício Grabois e Pedro Pomar, membros do Comitê Central, deixaram o Partido para formar o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), propondo a crítica às resoluções reformistas (defesa pura e simples da conciliação de classes, das reformas de base), kruschevistas e ao populismo do PC Brasileiro. A submissão ao imperialismo virou a norma dentro das discussões do Partido, mesmo que disfarçada. O PCB nunca chegou a se recuperar da crise do XX Congresso do PCUS e, por fim, teve de se reformular décadas depois, no período pós-ditadura. No momento da ditadura, o PCB encontrava-se em tal estado que rejeitou a luta armada. Junto com o desmoronamento da fibra moral veio também o desmoronamento do centralismo democrático e o surgimento do praxismo infantil, bem como da defesa da institucionalidade acrítica. Isso reverberaria no PCB por décadas a fio. Incapaz de compreender a realidade do golpe militar como um movimento para a hegemonização completa do mundo iniciado também pela “brandura” pregada pelo kruschevismo (que espalhou-se rapidamente) em relação à institucionalidade burguesa, o partido do povo condenou o povo à inércia.

Não nos cabe aqui falar da formação dos diversos partidos oportunistas e trotskistas após essa crise instaurada pelo kruschevismo (PT, PSTU, PCO, PSOL). Ao invés disso, nos focaremos no prenúncio dialógico da mais (neo)liberal de todas as teses a surgirem nos fins da década de 80 e no início da década de 90: a tese do “fim da história” de Fukuyama. Estranhem alguns por um lado que esse prenúncio veio de um autor brasileiro, cujo qual não teve qualquer ligação com o próprio Fukuyama, e explicaremos logo que não há motivos para que pensemos o desenvolvimento teórico como mais que a interpretação da materialidade de forma mais ou menos correta mediante a utilização de categorias que podem ser conhecidas em sua face idealista ou materialista e que, portanto, o prenúncio de uma ou outra teoria pode vir de qualquer parte dado o desenvolvimento da ordem social em sua materialidade para um ou outro lado; estranhem outros que esse prenúncio veio de um militante do PCB, dito comunista, e não precisaremos explicar muita coisa, que as próprias palavras dele nos ajudarão a comprovar a irrealidade de seu compromisso com o povo. Não é, contudo, nossa preocupação aqui fazer uma crítica sistemática do texto e sim da ideia nele centralmente apresentada: a da democracia como valor universal, e, assim, não nos prenderemos muito às citações diretas senão no primeiro momento.

Primeiro, para nos embasarmos, olharemos para uma longa citação do texto de Carlos Neto Coutinho, na qual é feita tanto a exaltação da zombaria feita por Enrico Berlinguer da Revolução Russa, quanto a defesa da luta institucional, uma zombaria para com o povo brasileiro da época e de hoje também, pelo fim da ditadura militar:

[…] hoje se generaliza entre os marxistas ocidentais a rejeição do “modelo soviético” como modelo universal de socialismo, isso resulta em grande parte de uma diversa concepção do vínculo socialismo-democracia por parte desses marxistas. Concepção que Enrico Berlinguer sintetizou expressivamente no discurso que pronunciou em Moscou, em 1977, por ocasião do 60° aniversário da Revolução de Outubro: “A democracia é hoje não apenas o terreno no qual o adversário de classe é obrigado a retroceder, mas é também o valor historicamente universal sobre o qual fundar uma original sociedade socialista”.

Essa universalidade não deve ser concebida apenas num sentido teórico; o valor da democracia não se limita a áreas geográficas. Pois se há por sua vez algo de universal nas reflexões teóricas na prática política do que é hoje chamado de eurocomunismo, esse algo é precisamente o modo novo — um modo dialeticamente novo, não uma novidade metafisicamente concebida como ruptura absoluta — de conceber essa relação entre socialismo e democracia.

Uma prova dessa universalidade são as acesas polêmicas que têm hoje lugar entre as forças progressistas brasileiras, envolvendo o significado e o papel da luta pela democracia em nosso País. Pode-se facilmente constatar nesse sentido, a presença de diferentes e até mesmo contraditórias concepções de democracia entre as correntes que se propõem representar os interesses populares e, em particular, os das massas trabalhadoras. Trata-se de um fato normal e saudável, contanto que não se perca de vista a necessidade imperiosa de acentuar — na presente conjuntura — aquilo que une a todos os oposicionistas, ou seja, a luta pela conquista de um regime de liberdades político-formais que ponha definitivamente termo ao regime de exceção que, malgrado a fase de transição que se esboça, ainda domina em nosso País.

Não creio que nenhuma formação popular responsável ponha hoje em dúvida a importância dessa unidade em tomo da luta pelas liberdades democráticas tais como essas são definidas, entre outros, no atual programa do MDB. Todavia, há correntes e personalidades que revelam ter da democracia uma visão estreita, instrumental, puramente tática; segundo tal visão, a democracia política — embora útil à luta das massas populares por sua organização e em defesa dos seus interesses econômico-corporativos — não seria mais, em última instância e por sua própria natureza, do que uma nova forma de dominação da burguesia, ou, mais concretamente, no caso brasileiro, dos monopólios nacionais e internacionais[10].

É importante que analisemos essa longa parte do texto com olhar atento e com cuidado. Ela está logo na introdução. Muito do que é dito, tendo-se em conta o que sabemos sobre o papel do MDB na ditadura, é risível, e o riso é aqui incentivado, que as coisas ridículas ditas pelos pretensos teóricos marxistas devem ser ridicularizadas pelo bem do povo. Mas, mais risível ainda são as concepções teóricas que servem de sustentáculo para essa defesa: a democracia como valor universal, a ideia de que a democracia faz com que retroceda o “adversário de classe”. O que se segue na exposição de Coutinho sai do campo do ridículo e adentra o campo do desrespeito mais completo tanto da tradição revolucionária marxista e do Marxismo enquanto ciência como do próprio leitor, que deve ser tomado como um completo asno ou como um academicista, o que no fim é a mesma coisa, pelo autor. Imputando a Lênin e Marx seu próprio caráter canastrão, Coutinho chega a dizer que o primeiro via no substantivo “democracia” apenas o acompanhamento adjetivo “classe” e a negar completamente a realidade da obra de Marx que contesta sua interpretação e que afirma o “substantivo” (nem ao menos compreende o autor o problema da substância!) da “democracia” como a forma particular de domínio de classe estatal que procede da revolução burguesa. A exiguidade argumentativa é tanta que o autor faz uma confusão teórica entre o fato da democracia sob o socialismo, que não é, como já foi dito, a negação mecânica do capitalismo, mudar de mãos com a pretensa universalidade do valor enquanto coisa metafisicamente constituída no desenrolar da luta proletária até o comunismo.

Algumas perguntas devem ser respondidas para que continuemos nossa exposição: i) é a democracia um valor historicamente universal e fundador do socialismo?; ii) qual é a relação entre socialismo e democracia?; iii) qual união é necessária para a luta pela democracia (ou pelo socialismo, o autor parece confundir os dois em alguns momentos); iv) de onde partem tais ou quais concepções sobre o problema democrático?

Vamos agora as responder, uma a uma. Primeiramente, tomemos algo que disse Nelson Werneck Sodré, cuja linha discorda completamente da de Coutinho: “A democracia não existe quando o seu espaço e a sua vigência são estreitos, são limitados, próprios de minorias. Ela só existe quando vigora para amplas maiorias. Aí ela está viva”[11]. Ora, fica claro que Sodré estava defendendo a democracia. Mas sua defesa da democracia não é a mesma de Coutinho. Sodré defendia a Nova Democracia, a democracia do povo, feita para e pelo povo, mediante revolução nacional, destruindo-se as bases da velha democracia, estreita, limitada. A democracia, então, não seria fundadora do socialismo, a luta das classes progressistas seriam fundadoras da real democracia e a real democracia seria subordinada ao socialismo, como o autor afirma mais à frente no texto. Aqui já podemos responder também a segunda pergunta: a relação entre socialismo e democracia é uma relação de subordinação da segunda pelo primeiro. Qual a união necessária, portanto, para que se atinja essa democracia? A união entre as classes progressistas, do povo, união essa que se daria, por força das contradições no seio do povo, “com avanços e recuos, desfalecimentos e radicalizações”[12].

Resta-nos a última pergunta e, para responde-la melhor, responderemos também de onde partem as concepções de Sodré e faremos entre elas uma breve comparação. Coutinho retira suas concepções, como o mesmo admite sem qualquer vergonha (e motivos para se ter vergonha desavergonhadamente expostos é o que não faltam neste texto), do eurocomunismo e o eurocomunismo, por sua vez, defende-se enquanto “desenvolvimento” do Marxismo (o mesmo que uma ameba se defender como desenvolvimento do homem) mediante uma concepção de democracia que submete-se ao reformismo como prática, à subordinação do socialismo à uma concepção abstrata de democracia (e eis a problemática maior: não é a universalidade, mas a abstração o que inviabiliza qualquer pertinência do modelo eurocomunista e da “democracia como valor universal” de Coutinho) e à união dos “progressistas”, eles mesmos idealizados, como mera união institucional por disputas institucionais (eis novamente o desrespeito com Marx e Lênin, todos bons conhecedores do papel fulcral da luta extra-legal), como união sem princípios e desconhecedora da materialidade das contradições, afirmadas apenas como “coisas normais”, como “decorrências da pluralidade de pensamento”, da “democracia” em abstrato, mesmo quando essa não reina mesmo idealisticamente nem na própria realidade analisada, enfim. Há motivos para rir, novamente. E daremos outros dois ainda, caso esses não sejam suficientes: a democracia universal eurocomunista foi defendida a partir da defesa da construção de uma democracia italiana defendida pela OTAN contra ataques soviéticos e a constituição partidária do PCI à época, muito como a do PCdoB atual, encontrava-se eivada de quadros burgueses[13].

Mas falemos agora da concepção mais séria, de Sodré. De onde ela parte? Ora, parte do mesmo lugar que partiram as concepções de Marx, Engels, Lênin, Stalin, Mao: da análise da realidade objetiva, da decomposição das abstrações em suas partes concretas contraditórias e constituídas dentro das determinações sociais da concretude histórica, partem da análise realmente materialista e histórica, que é dialética, e não da negação da dialética sob o disfarce de sua afirmação, partem da concepção da filosofia como práxis e não da concepção da práxis como mera abstração filosófica. Enquanto a Magnum Opus de Coutinho é uma defesa pútrida da pútrida democracia burguesa como valor universal travestida de defesa da democracia proletária, a de Sodré é Formação histórica do Brasil, obra na qual são discutidas questões tão fulcrais para o movimento comunista que ele continua a as rejeitar em grande parte uma vez que suas concepções de autocrítica, desgraçadamente, estagnaram-se em questões levantadas pelo kruschevismo e pelo balanço histórico de impressões da hegemonia academicista neoliberal.

Sodré olhava para o povo no Brasil e via-o como ele é composto: pelos proletários, claro, mas também pelos camponeses que vivem em condições de semi-feudalidade ou que foram proletarizados e pelas camadas médias. Ele chega a uma concepção maoísta da luta revolucionária pela análise da realidade brasileira, não adota uma linha de fora pela mera novidade. Ele tem, em uma palavra, compromisso. Compromisso com a realidade e compromisso com o povo, compromisso com o socialismo como o desenvolvimento inevitável da luta interna ao capitalismo e com a democracia apenas em sua subordinação à essa luta, que é a garantia de sua concretude. A disputa se coloca, portanto, dessa forma: entre a democracia em abstrato, universalizada pela universalização (que conceito não é, de uma forma ou outra, universalizado? Que isso quer dizer?), e a democracia concreta, que faz parte do processo de busca da realização total do homem para além das cadeias capitalistas, da exploração do homem pelo homem, mas que não o subordina nem é seu fim último. É este o quadro.

Filosoficamente, o eurocomunismo é, fica fácil perceber, tributário de interpretações porcas de Rosseau e do kantismo da socialdemocracia alemã no início do século XX, ou seja, do liberalismo e da expressão do liberalismo no seio das disputas partidárias no movimento comunista. Talvez seja por isso que Coutinho atrapalha-se tanto ao falar da democracia como valor universal em termos que ele crê serem marxistas, de superação. A comparação com as concepções de Marx sobre a arte no texto é grotesca, a incompreensão da Aufhebung, superação, é tão grande que fica claro que apenas um academicista que tenha lido muitos e muitos livros de filosofia poderia chegar a tal resultado. Quando Marx fala da permanência na superação em relação à arte e à sensibilidade humana à arte ele fala em relação as questões de produção e consumo e sobre essas duas categorias que se interpenetram para gerar a totalidade da produção social em termos de sua construção histórica e da produção social, por fim, como forma inexorável da própria sociedade humana. Ora, se Coutinho desliga o “substantivo democracia” da produção, a democracia se torna não apenas num universal, mas num absoluto. E aí talvez ele vá ainda mais longe que os eurocomunistas italianos, retomando o próprio Parmênides e afirmando que os movimentos do “substantivo democracia” são superficiais, mas o “substantivo” em-si e para-si é imóvel. A superação é a mais estéril das coisas, portanto, na democracia como valor universal. (E qual não seria a surpresa de Coutinho alguns anos depois com o governo FHC, democrático até o último fio de cabelo branco, quando esse se comprovou apenas uma ditadura da burguesia novamente.) A quimera de Coutinho, concebida pela transposição mecânica de valores liberais para uma concepção pretensamente radical, é a comprovação do erro último do eurocomunismo e, muito mais, do erro que sempre é a importação pelas nações oprimidas de teses ocidentais da luta de classes.

II — O eurocomunismo deve ser ainda derrotado!

Ressonâncias do eurocomunismo no movimento revolucionário e na esquerda atual e a necessidade do combate a essas concepções

Dividamos em duas partes essa seção: primeiro falaremos das ressonâncias do eurocomunismo na constituição partidária e na práxis dita revolucionária ou que pretende de fato o ser e depois falaremos das concepções gerais difusas que se embrenharam tanto nos movimentos revolucionários quanto na “mentalidade de esquerda” de forma geral mediante a influência danosa do eurocomunismo e as interpretações errôneas de autores que se colocaram como revolucionários.

O eurocomunismo nos partidos na atualidade

Já vimos que o eurocomunismo defendeu a guinada para o parlamentarismo como estratégia, que ele pretendeu dar cabo da insurreição ou da violência revolucionária, da questão da ditadura do proletariado (democracia do povo) e do centralismo democrático em troca desta luta parlamentar sob uma democracia “universal” e sob bandeira da pluralidade “democrática”, desconsiderando assim, apesar da insistência de Coutinho em fazer ligações esdrúxulas entre sua teoria degenerada e o desenvolvimento plenamente justificado pela materialidade do leninismo, a questão central da teoria revolucionária: que ela deve avançar a luta de classes ou ser descartada pela crítica e autocrítica que só é possível mediante a instauração do centralismo democrático e do fim de todo pluralismo ou, melhor dizendo, sincretismo no seio do partido (o que não significa o fim das disputas). Palmiro Togliatti já anunciara a degeneração no PCI antes de Berlinguer ao defender a via parlamentarista. Facilmente podemos constatar também que essa via provou-se historicamente infrutífera e só aprofundou a crise no movimento comunista. Ao internacionalismo proletário, à unidade teórico-prática pertinente, considerando-se sempre as particularidades de cada uma nação, sobrepôs-se uma ideia abstrata de “solidariedade internacional”, na conferência dos partidos comunistas europeus de 1976 em Berlim, à ditadura do proletariado, sobrepôs-se a tosca luta institucional sem fins definidos (“o movimento é tudo, a meta final, nada”[14]).

O “fim da história” de esquerda antecedeu o “fim da história” neoliberal mas, de fato, não diferiu muito dele em conteúdo. No interior de um PCB já completamente enxovalhado pela adoção mal ajustada das teses ocidentais de “terceira via” dos PC’s europeus e pela adoção acrítica do que fora disposto no “Relatório Kruschev”, achacado pelo sincretismo e que havia abandonado de vez a verdade histórica da necessidade da ditadura do proletariado, foi fácil que Coutinho desenvolvesse de forma oportunista uma tese tão frágil e ainda ganhasse espaço com ela, fizesse dela referencial teórico. Coutinho, em sua “autocrítica” (podem rir) quanto ao artigo, de fato consegue piorar a leitura do mesmo, criticando Lênin por “adjetivar demais” a democracia como “burguesa” ou “proletária” (ah! a belíssima capacidade de interpretação dos academicistas, que veem adjetivação onde só há um único substantivo em sua concretude e enquanto fruto da contradição necessária para a própria construção do mesmo no plano teórico).

Mas não foi só Coutinho que decidiu “desestalinizar” de vez o PCB. Outros nomes, como Luiz Werneck Vianna, Leandro Konder, Gildo Marçal Brandão, Armênio Guedes etc., também fizeram de tudo para atingirem esse fim pelas vias teóricas (os eurocomunistas controlavam ideologicamente os “pragmáticos”, é bom lembrar, apenas os fiéis a Prestes ainda apresentavam qualquer oposição). Chegaram uns, talvez, ao ponto de enfiarem críticas ao “stalinismo” em receitas de bolo. Não valeria a pena consultar a produção teórica inteira de nenhum deles para o comprovar. A continuidade da “desestalinização” do PCB nos fins da década de 70 foi a “desgramiscização” de Gramsci, a “desmarxisização” de Marx e o apagamento de Engels e de Mao da existência também. É possível dizer que, junto a Caio Prado Jr., Coutinho e companhia foram os maiores liquidadores de qualquer ímpeto revolucionário ainda existente no Partido. E, de fato, a visão de Coutinho deve muito também à tosca e inverificável afirmação de que o Brasil é um país de capitalismo plenamente desenvolvido.

Em 1992, mais uma cisão ocorreu no PCB e formou-se o Partido Popular Socialista (PPS) — poucos anos depois se cindir-se-ia o PCdoB em plena reconstrução para formar-se o PCR –, enquanto, ao mesmo tempo, dominaram a “questão democrática”, obviamente, os partidos da reação (ou da reação mais anunciada) e os sociais-democratas, trabalhistas (e algumas fracções trotskistas) do Partido dos Trabalhadores (PT) e do Partido Democrático Trabalhista (PDT). Prestes, em 1980, já advertira:

Um partido comunista não pode, em nome de uma suposta democracia abstrata e acima das classes, abdicar do seu papel revolucionário e assumir a posição de freio dos movimentos populares, de fiador de um pacto com a burguesia, em que sejam sacrificados os interesses e as aspirações dos trabalhadores … Não podemos, pois, compactuar com aqueles que defendem “evitar tensões”, freando a luta dos trabalhadores em nome de salvaguardar supostas alianças com setores da burguesia. Ao contrário, sem cair em aventuras, é hoje, mais do que nunca, necessário contribuir para transformar as lutas de diferentes setores de nosso povo em um poderoso movimento popular, bem como é dever dos comunistas tomar a iniciativa da luta pelas reivindicações econômicas e políticas dos trabalhadores, visando sempre alcançar a derrota da ditadura e a conquista de uma democracia em que os trabalhadores comecem a impor sua vontade.

Abandonou o Partido suas vias defensoras da institucionalidade burguesa em algum momento? Entre 1992 e 2005, não houve Partido de fato, apenas uma sombra dele. Depois disso, a cartilha afirma que o centralismo democrático leninista (que envolve a defesa da ditadura do proletariado) voltou a ser a ordem do dia, mas a prática pode nos dizer o contrário. Vejamos como analisa Ivan Pinheiro, ex-secretário geral do PCB entre 2005 e 2016, em 2013, a dissidência do PCdoB e a Guerrilha do Araguia:

Confirmando tragicamente as avaliações do PCB sobre a inviabilidade do sucesso da luta armada em uma conjuntura contrarrevolucionária, este movimento, sustentado por um pequeno número de combatentes valorosos, mas sem contar com o apoio das grandes massas, foi terrivelmente esmagado pelas forças ditatoriais, deixando um lamentável saldo de mortos e desaparecidos no conflito.

Após a derrota no Araguaia e o falecimento de Mao Tsé Tung, o PC do B efetuou uma revisão em suas concepções e métodos, bem como em suas vinculações internacionais. Rompeu os laços políticos e ideológicos com o PC Chinês (sem jamais fazer, no entanto, a autocrítica de sua anterior adesão ao maoísmo) e cerrou fileiras com o Partido do Trabalho da Albânia (PTA). Nesta fase, além de preservar sua hostilidade para com os países que tentavam construir o socialismo nas difíceis condições do cerco imperialista, estreitou suas vinculações com os grupos fracionistas que combatiam, em diferentes países, os partidos comunistas. Privilegiando em suas relações tais grupamentos, o PC do B persistiu, ao longo dos anos de 1970 e 1980, em promover ataques aos partidos comunistas que não se alinhavam com as concepções do obscuro ideólogo albanês Enver Hoxha, estigmatizando-os como revisionistas e contrarrevolucionários[15].

Alguns apontamentos são possíveis aqui: mesmo com a derrota da posição histórica de não-violência e convivência pacífica com a institucionalidade burguesa, o PCB, nesta avaliação oficial, prefere dizer que o contrário é que foi comprovado por uma derrota pontual de um movimento cujo qual o revisionismo impediu-lhe de apoiar à época. Da mesma forma, cobra ele autocrítica da vinculação do PCdoB, àquela época, ao maoísmo, como se as críticas de Mao Zedong ao revisionismo e ao dirigismo soviético pós-Stalin não estivessem corretas e como se elas não pudessem ter auxiliado o próprio PCB a reconhecer seus erros, o que traduz-se numa apologia da não-crítica que o Partido adotou ao encaminhar-se para o praxismo infantil e depois para o eurocomunismo. E ainda, por outro lado, cobra a autocrítica do PCdoB à sua vinculação ao pensamento hoxhaísta, que, errado como esteja ainda hoje em seu dogmato-revisionismo quando se defronta com o maoísmo, tinha toda razão em criticar o kruschevismo naquela época histórica e teria toda razão em criticar o PCB naquela época histórica. Mas, tudo isso pode não passar de uma má vontade de um leitor atencioso em relação ao tom apologético do texto rixoso. Todas as críticas feitas ao PCdoB atual e às políticas direitistas do Partido estão corretas, de qualquer forma. Então, continuemos. Diz o texto do PCB:

Nos últimos vinte anos, nós, comunistas do PCB, temos procurado caracterizar a realidade brasileira com base na perspectiva central de que o capitalismo desenvolveu-se de forma plena no país. Rompemos em definitivo com a estratégia nacional-democrática ou nacional-libertadora, a partir do momento que deixamos de ter qualquer ilusão com a possibilidade de construção de um “capitalismo nacional autônomo”, capaz de se chocar com os imperativos mundiais do capitalismo monopolista e do imperialismo. Tentamos aprender com os erros do passado, em especial com a derrota imposta aos comunistas e à classe operária pelo golpe de 1964 e pela ditadura que aprofundou o capitalismo no país. Daí afirmarmos categoricamente que o caráter da revolução no Brasil é socialista e defendermos uma estratégia de lutas anticapitalista e anti-imperialista como única alternativa possível à realidade atual, de hegemonia completa da burguesia[16].

Ora, essa “ilusão” de que o capitalismo não se desenvolveu plenamente no Brasil pode parecer bem real aos camponeses em condição de semi-servidão, trabalhando por dívidas, por todo o interior, mas eles podem estar redondamente enganados sobre sua própria condição e a realidade generalizada talvez não seja suficiente para que demos créditos às suas palavras. Talvez a proletarização seja de fato completa e a tese rebata a realidade, mas seria coisa inédita no Marxismo em seus séculos de existência. Se não se abandonam as teses da derrota, de que serve a busca da vitória e o centralismo democrático? Não é a contínua auto-imposição da derrota a melhor forma de defender-se o inimigo?

Vejamos, contudo, um texto de 2020, mais atual, da Comissão Política Nacional do PCB:

Desde o primeiro momento, o PCB incentivou a retomada da ocupação das ruas contra o fascismo, contra o racismo, em defesa das liberdades democráticas e compondo a unidade de ação, juntamente com outras forças políticas de esquerda e organizações populares, através do movimento que abraça a palavra de ordem “Fora Bolsonaro”. Ao mesmo tempo, buscamos participar de espaços mais amplos no campo institucional em ações conjuntas com partidos do campo democrático, como no registro do pedido popular de impeachment, assinado por centenas de entidades políticas e sociais.

Entendemos que a principal bandeira de luta neste momento é a derrocada do Governo de Bolsonaro, Mourão e Guedes, para barrar a política genocida e de destruição de direitos em favor do capital e do imperialismo. Defendemos, de forma emergencial, a extensão da renda básica e a retomada do Benefício de Prestação Continuada, a manutenção do isolamento social até que a tendência atual de crescimento da pandemia se reverta, a readmissão de todos os trabalhadores que foram demitidos, o maciço investimento do Estado nas estruturas públicas de saúde para o pleno combate ao Coronavírus. Para além da pandemia, a hora é de fortalecer o movimento de oposição popular ao Governo e sua política de terra arrasada, por meio de iniciativas que aprofundem o seu isolamento político e sejam capazes de barrar os ataques da burguesia e revogar o conjunto de contrarreformas e medidas antipopulares, abrindo caminho para a construção de uma alternativa política em favor da classe trabalhadora e dos setores populares.

Devemos nos preparar para enfrentar a nova ofensiva que a burguesia certamente fará no período pós pandemia, com vistas a aprofundar o processo de retirada de direitos sociais, das privatizações e da entrega das riquezas nacionais. É preciso seguir denunciando e combatendo as mazelas do capitalismo e as políticas neoliberais, responsáveis pelo fracasso retumbante das ações dos governos burgueses no enfrentamento à pandemia. Somente a organização e a mobilização dos(as) trabalhadores(as) formais e informais, desempregados(as) e precarizados(as) na firme defesa dos direitos trabalhistas e sociais, por pleno emprego, seguridade, garantia da renda básica, saúde pública 100% pública, estatal, universal e gratuita, investimentos públicos e reestatização dos serviços e empresas nacionais, podem apontar para a retomada da economia em benefício dos interesses e necessidades do povo trabalhador, no rumo da construção do Poder Popular e do Socialismo[17].

É fato que o PCB voltou a defender, inclusive em suas resoluções mais atuais consta essa defesa (e os problemas que ela apresenta não nos cabe discutir aqui), a revolução de forma aberta e irrestrita. Apesar disso, algumas coisas são perceptíveis nesse texto que não o são nas resoluções. Primeiramente, podemos dizer que uma confusão conceitual primordial para Coutinho e para a camarilha eurocomunista não foi completamente abandonada: a questão da democracia (direitos democráticos) continua subordinando, de certa forma, a questão do socialismo. A ênfase na institucionalidade também perdura. A assinalação de uma necessidade de construção de “alternativa política” é, deveras, vaga. A defesa dos “direitos democráticos” assenta-se numa perspectiva um tanto quanto abstrata de aglutinação da classe trabalhadora. A união pelo impeachment, o clamor popular, verifica-se não na própria vontade popular, mas em entidades políticas e sociais institucionalizadas. E o que é talvez mais importante: em momento algum a farsa que é a própria instituição democrática burguesa e o próprio processo eleitoral burguês são denunciados. Que luta planejam ensejar se apenas dizem: “lutem!” e não dão ao menos as armas da crítica pertinentes para que se justifique a luta?

Tais apontamentos são simples, curtos, não pretendem dar conta de toda a literatura do Partido ao longo de sua reformulação, mas servem de indicação. Não é nosso intento propor a liquidação do Partido, dizer que ele não serve propósito algum e, muito menos, ofender militantes do Partido. Foram eles primeiramente e prioritariamente direcionados ao PCB por ser esse o partido que historicamente e sincronicamente incorpora em si a maior parte de membros dentro do campo comunista brasileiro. O que pretendemos indicar aqui é a permanência de certos vícios, de certas análises que deveriam ter sido superadas, de certas confusões que não deveriam mais existir, de certa falta de alinhamento entre a proposta e a prática. Assim também, cremos, se avança o movimento comunista: pela crítica do povo, dos comunistas e da própria realidade — nesse último caso, por exemplo, podemos ver na prática a invalidade da insistência na teoria de Caio Prado Jr., que é falha em diversos aspectos, e na facilidade com que o povo adotou posições ideologicamente impostas pelo reacionarismo a falta de capilaridade do movimento. Seria repetitivo fazer a crítica da Juventude do Partido em questão, uma vez que as mesmas coisas são aplicáveis em outros âmbitos de disputa e uma vez que uma crítica geral dos movimentos de juventude será feita no item seguinte.

Seria estéril falar aqui do PCdoB atual uma vez que não é nossa agenda discutir rixas que não fazem mais sentido histórico algum. O PCdoB não é comunista, é o que basta dizer. Breves críticas, contudo, podem ser tecidas em relação ao braço trotskista do movimento, que na verdade é, e sempre foi, um braço da reação que tenta se inserir em nosso seio. Constituído historicamente como fruto da sabotagem da revolução e justificado por ideias esdrúxulas sobre Stalin, Lênin e a natureza do socialismo na URSS, o trotskismo apresenta-se hoje como fiel defensor dos movimentos reformistas mais impotentes possíveis, como o petismo, no caso do PCO e de alas do PSOL. É improdutivo que nos aprofundemos nessa questão, uma vez que não há muito para dizer sobre o trotskismo além de que ele sempre se porá contra a revolução real e em favor de um ideal revolucionário inatingível. Mais improdutivo ainda é falar do PSOL, dissidência do PT que hoje não faz mais que apoiar o petismo moribundo. Talvez baste adiantar algo que retomaremos na conclusão: o sincretismo é a morte do partido. Se a linha política não é clara e se a disputa generalizada e infindável sem motivo é a estratégia interna, se não se respeita o centralismo democrático (ah, o eurocomunismo, a “democracia” interna sem princípios), não adianta de muita coisa ter Socialismo/Socialista ou mesmo Comunista no nome — e nesse aspecto mesmo as organizações plenamente trotskistas têm mais mérito que o PSOL, facilitam nossa crítica.

Restaria falar sobre o Partido Comunista Revolucionário (PCR), mas aí a crítica dirige-se muito mais ao dogmato-revisionismo hoxhaísta que a alguma forma de eurocomunismo. Tal não é nosso intento no momento. A UP, contudo, seu braço legal aglutinador das massas, vem passando por um momento melindroso de formulação tática para a disputa eleitoral e devemos estar atentos aos caminhos trilhados pela organização no decorrer deste ano e até o ano de 2022. A tal da “democracia interna” parece ser uma reivindicação muito grande do Partido, bem como toda a confusão teórico-prática que isso enseja parece ser o resultado inevitável de sua adaptação. É necessário cuidado de nossa parte para fazer a crítica e cuidado da parte deles para atentarem-se ao que ela quer dizer e esperamos que isso seja bem compreendido. Seria de fato uma pena que o, em partes, belo texto de Hoxha sobre o eurocomunismo fosse desperdiçado pelos militantes da organização recém-formada que é ainda grande baluarte de movimentos fulcrais para a luta de massas como o MLB. O parlamentarismo como tática foi já destituído de qualquer verificação histórica em sua pertinência. Além disso, é importante ressaltar que a rejeição da crítica da obra de Sodré à análise de Prado Jr. deveria ser melhor observada pela organização e pelos seus órgãos de propaganda, que há no Brasil ainda muitos camponeses apesar do que vivem a dizer uns e outros.

De qualquer forma, o essencial aqui é ainda o mesmo de antes: a esquerda decretou o “fim da história” já no fim da década de 50, mas foi combatida amplamente então em diferentes focos da revolução. Resistente, continuou a decretá-lo no decorrer da década de 60, 70, 80 e 90, confundindo-se toda na virada para os anos 2000. Foi na virada de 70 para 80 que o texto cabal do “fim da história” brasileiro foi escrito e Fukuyama talvez, se o lesse, sonhasse com tal concisão em aglutinar tantas bizarrices teóricas e tantas análises históricas errôneas de uma vez. Com sedimentos de um ponto de vista insidioso que é esse de Carlos Nelson Coutinho ainda em voga, o cuidado deve ser redobrado ao falarmos de luta popular hoje. A subordinação da questão democrática à questão socialista, como já a preconizava Lênin, deve ser completa. As classes progressistas devem ser chamadas a ação pelo socialismo como via que leva à democracia de massas e não pela democracia em abstrato e, para isso, elas devem também ser analisadas de forma correta, atentando-se sempre à formação histórica brasileira e à formação atual que decorre desta.

Eurocomunismo e “mentalidade de esquerda”: a ideia populista e a distorção do papel da educação

Resta ainda uma breve crítica e essa visa apenas apontar um problema ideológico mais geral, mas importante, exatamente pois já institucionalizado, e também uma de suas facetas que nasceu já com o próprio liberalismo e veio encontrar sobrevida na degeneração teórico-prática eurocomunista. As reivindicações de resoluções para ou o dispêndio excessivo de forças nesse problema produzido pela ideologia do “fim da história” de esquerda e pelo liberalismo são ainda mais entristecedoras quando partem de movimentos que se pretendem revolucionários.

A perspectiva de que a democracia é um valor universal é muito cara aos reformistas de esquerda, que vivem de negociatas obscuras, que se alimentam na mesa dos burgueses da carne no povo e aproveitam para chupar até mesmo o tutano de seus ossos, não sem depois lavarem as mãos no seu sangue e derramarem uma singela e surda lágrima por qualquer tipo de opressão que esteja na moda falar sobre (a civilização, claro!). É cara ainda pois essas negociatas requerem uma certa educação para a cara de pau, para a falta de vergonha na cara a qual os que se sustentam da fome têm de sobra. E aí, eis que, por uma mágica, a solução de todos os problemas do povo é descoberta por eles como foi também pelos liberais que propuseram a pedagogia tradicional sistematizada: falta apenas que o povo saiba navegar esses belos corredores da Casa de Usher onde jaz a irmã morta, nomeada revolução. Já foi dito algo sobre o academicismo, digamos algo mais: sua face mais cruel, ideologicamente, encontra-se no Ensino Básico e Médio. Coloca-se o problema dessa forma: o pobre deve saber, pois o conhecimento é poder. Desconsidera-se todo o mais. Nem mesmo a teoria crítico-reprodutivista consegue ser mais determinista que isso.

Pelos interiores de certos partidos e organizações políticas são ouvidas ainda as teses de que o sujeito revolucionário atual é o sujeito que sabe, o conhecedor, o professor, o aluno. Maldita a influência do 68 francês, que condenou todos a essa posição elitista e, na maioria das vezes, racista. Não se trata aqui de destronar a educação formal em seu papel social mesmo sob o domínio burguês, mas sim de não fazer má interpretação das teorias tão bem desenvolvidas por Paulo Freire e Dermeval Saviani, para citar apenas dois ótimos autores que falam sobre o assunto. Freire dizia que a educação deve ser libertadora, mas nunca, em momento algum de sua vida, disse que ela era o motor da libertação. Muito se confunde esse ponto e já passa da hora de abandonarmos a pior de todas as ilusões: que o sujeito revolucionário será aquele que sabe nadar pelo chorume acumulado da democracia burguesa, da ditadura do capital. Para a maioria isso nunca será ao menos possível, para os que conseguem em um ou outro momento, há mais chance de se contaminarem. A democracia não é valor universal, nem deve ser navegada, deve ser consumida em sua forma atual e subordinada ao povo, ao socialismo, portanto.

Na questão dos partidos que se propõem enquanto revolucionários, muito cuidado deve ser também tomado quanto a isso. Qual é a pertinência de se dispender tantos recursos na questão estudantil sem a proposta concreta de uma subversão da própria educação burguesa? Qual a pertinência de fazê-lo sem a concretude da transformação social geral, que é a única possível transformadora da particularidade da educação, estando as vistas? Não se trata de abandonar os estudantes, mas sim de verificar os problemas mais candentes do momento. Devem cessar as tentativas de transformar os estudantes em meros cabos eleitorais esclarecidos, que eles merecem mais respeito também. Devem cessar as tentativas de fazer do estudante o “sujeito revolucionário”, que ele nada mais é que parte da camada média da sociedade e, na maior parte das vezes, vive entre contradições para as quais devemos dedicar enorme atenção na luta pela unidade do povo, das classes progressistas da sociedade em busca da revolução.

Conclusão

As mais importantes e mais permanentes derrotas impostas pela difusão do eurocomunismo pelas décadas que seguiram o XX Congresso do PCUS foram já citadas: a luta contra o centralismo democrático, a negação da revolução como coisa realmente revolucionária (“a democracia como valor universal”, a subordinação do socialismo ao “valor universal” da “democracia” etc.) e o desprezo das formulações de Lênin e Stalin sobre a ditadura do proletariado (Mao, Engels e Marx, o verdadeiro Marx, crítico do idealismo e do utopismo, escritor da Mensagem da Direção Central à Liga dos Comunistas junto com Engels, nem ao menos foram consultados). Tais processos se verificaram em diversos locais do mundo à época da transição do poder unilateral para o polo estadunidense.

Hoje em dia vemos ainda, de uma forma ou de outra, na realidade social das lutas gerais ou na realidade interna dos partidos, mesmo na proposição de alguns partidos como “nova via”, o quanto o eurocomunismo, morto-vivo desde sempre, ainda causa de estrago. O sincretismo teórico disfarçado de “democracia interna” nos partidos virou até mesmo a verdade de organizações como o PSOL, reconhecidamente, declaradamente, uma organização plural (não se enganem pela beleza da sonoridade). Abandonou-se completamente, da forma mais pós-moderna possível, a realidade do movimento, a necessidade do movimento real, em busca da boa aparência frente às potências ocidentais. Abandonou-se a crítica do trotskismo mais do que necessária. Dizer “não somos stalinistas” é mais importante que descobrir a realidade histórica da era Stalin, do que foi o kruschevismo e o trotskismo e, o que é mais importante, que manter uma coerência e coesão mínima nas ações do partido para além de umas poucas votações na Câmara ou “apoios” (críticos!), quando muito. É, de fato, triste.

A subordinação do socialismo ao viés democrático “universal” que acompanha isso e a negação completa da necessidade da ditadura do proletariado e da própria luta proletária ao dizer o eurocomunismo que basta confiar na institucionalidade, que um dia ela nos traz o reino dos céus para terra, são processos também ainda em andamento. A cada mínima crise, a cada recrudescimento mínimo da violência burguesa, a cada novo acontecimento, como que se ativam os traumas dos partidos comunistas e inicia-se a defesa acrítica da democracia e, enquanto isso, a ditadura do proletariado toma segundo plano, as necessidades das classes progressistas da sua nova democracia tomam segundo plano, os velhos problemas são esquecidos.

Devemos retornar o morto-vivo eurocomunismo para debaixo da terra, resolver toda permanência do kautskismo, do liberalismo, no seio do movimento comunista e desprezar o academicismo que vive a propô-lo, que não podemos mais nos dar ao luxo de cometer análises erradas nem de criar táticas que servem mais a continuidade da institucionalidade burguesa. Devemos conceber o movimento comunista como o que é: o único desenvolvimento possível da história do homem. Devemos conceber a democracia pelo que é: um desenvolvimento particular e histórico de forma de dominação de classe que foi universalizado apenas mediante o expansionismo burguês e que foi implantado no Brasil sob o jogo do desenvolvimento desigual econômico e das superestruturas em forte descompasso com os interesses do povo desde o início. E aí basta olhar para Canudos etc. Não é análise difícil, mas é necessária.

Notas de rodapé:

[1] SODRÉ, Nelson Werneck. Imperialismo e neoliberalismo. Marxists Internet Archive, 2019. Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/sodre/1996/10/imperialismo.htm>.

[2] MARX, Karl. Introdução à Contribuição para crítica da economia política. Marxists Internet Archive, 2007. Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/marx/1859/contcriteconpoli/introducao.htm#topp>.

[3] SODRÉ, 2019.

[4] Ver: LOSURDO, Domênico. A não-violência.

[5] MARX, Karl. Teses sobre Feuerbach. Marxists Internet Archive, 2003. Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/marx/1845/tesfeuer.htm>.

[6] ZEDONG, Mao. Contra o culto dos livros. Servir ao Povo, 2015. Disponível em: <https://serviraopovo.wordpress.com/2015/11/18/contra-o-culto-dos-livros-mao-tsetung/>.

[7] OLIVEIRA, Marcos Barbosa de et al. Manifesto internacional ecossocialista. Ecodebate. Disponível em: <https://ecodebate.com.br/pdf/ecossocialismo.pdf>. p. 3.

[8] LÊNIN, Vladimir Illich. Decepção do povo com slogans de liberdade e igualdade. Medium, 2019. Disponível em: <https://medium.com/@yatahaze/decep%C3%A7%C3%A3o-do-povo-com-slogans-de-liberdade-e-igualdade-da8ab08973e4>.

[9] MAGANE, Felipe Toledo. Crítica ontológica à teoria da democracia como valor universal de Carlos Nelson Coutinho. São Paulo: PUC, 2007. p. 62

[10] COUTINHO, Carlos Nelson. A democracia como valor universal. Marxists Internet Archive, 2014. Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/coutinho/1979/mes/democracia.htm>.

[11] SODRÉ, 2019.

[12] SODRÉ, 2019.

[13] MARTINEZ, Gabriel. Alguns apontamentos sobre o eurocomunismo. Nova Cultura, 07 Jan. 2018. Disponível em: <https://www.novacultura.info/single-post/2018/01/03/Alguns-apontamentos-sobre-o-eurocomunismo>.

[14] CASANOVA, Catarina. “O movimento é tudo, o objetivo final nada” ou a traição dos trabalhadores e do socialismo. Nova Cultura, 22 Nov. 2018. Disponível em: <https://www.novacultura.info/single-post/2018/11/22/O-movimento-e-tudo-o-objetivo-final-e-nada-ou-a-Traicao-dos-trabalhadores-e-do-socialismo>.

[15] PINHEIRO, Ivan. A reconstrução revolucionária do PCB. PCB, 01 Dez. 2019. Disponível em: <https://pcb.org.br/portal2/24421/a-reconstrucao-revolucionaria-do-pcb-2/>.

[16] PCB, 2019.

[17] PCB. Fora Bolsonaro, Mourão e Guedes. PCB, 26 Jun. 2020. Disponível em: <https://pcb.org.br/portal2/25752/fora-bolsonaro-mourao-e-guedes/>.

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